Em 2015, a então presidente Dilma Rousseff (PT) expressou a preocupação com a falta de tecnologia para "estocar vento" em um discurso na ONU, o que acabou se tornando alvo de piadas. Quase uma década depois, o conceito de armazenar a energia gerada por fontes eólicas e solares evoluiu para uma solução viável que pode ajudar a garantir a segurança do abastecimento elétrico e conter aumentos na tarifa de energia.
O governo federal planeja realizar, em junho do próximo ano, o primeiro leilão de concessões que incluirá sistemas de baterias para armazenamento de energia eólica e solar.
Embora sistemas de armazenamento por baterias já existam no Brasil, especialmente em setores industriais e comerciais como uma forma de garantir o fornecimento e reduzir custos em horários de pico, projetos de grande escala são uma tendência recente.
Um exemplo é o sistema instalado em novembro de 2022 na subestação de Registro (SP) pela empresa de transmissão de energia Isa Cteep. Esse projeto utiliza baterias com 30 MW de potência, capazes de fornecer energia por até duas horas, sendo acionado durante os picos de consumo na região.
Outro exemplo notável é a iniciativa de descarbonização em Fernando de Noronha. A ilha, que já conta com energia solar em menor escala, terá parte de sua eletricidade gerada por usinas a diesel substituída por painéis solares e sistemas de armazenamento com baterias.
O projeto, conduzido pela Neoenergia Pernambuco, envolve um investimento de cerca de R$ 300 milhões e está previsto para iniciar operação em 2027.
A queda nos preços das baterias de íons de lítio também tem impulsionado esse avanço. De acordo com a Bloomberg New Energy Finance, o custo dessas baterias teve uma redução de aproximadamente 82% na última década.
O primeiro leilão de sistemas de baterias para armazenamento de energia está programado para ocorrer em junho de 2025
A expectativa é que o uso de baterias para armazenamento de energia eólica e solar se expanda e seja incorporado aos leilões de energia, que atualmente são focados em termelétricas e hidrelétricas.
A demanda por essas tecnologias chamou a atenção do governo. Em setembro, o Ministério de Minas e Energia (MME) publicou uma portaria que iniciou a consulta pública sobre as diretrizes para um leilão de baterias previsto para junho de 2025, representando o primeiro passo para a realização do certame.
A contratação ocorrerá por meio do modelo de Leilão de Reserva de Capacidade, com um prazo de suprimento de dez anos, começando em julho de 2029. Conforme a portaria 812, caberá ao MME determinar o volume a ser contratado, com base em estudos da Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
Internacionalmente, já se discute o uso de tecnologias que conseguem armazenar energia por até 24 horas ou mais, utilizando sistemas como ar comprimido, baterias de fluxo, gravidade e armazenamento térmico. No Brasil, o foco atual está em equipamentos que garantam uma entrega de até quatro horas de potência máxima.
Além disso, o governo planeja novos leilões para a contratação de reserva de capacidade de empreendimentos de geração já existentes. Três leilões (A-1, A-2 e A-3) estão agendados para 6 de dezembro, com prazos de início de suprimento em 2025, 2026 e 2027, respectivamente, e contratos com duração de dois anos.
Essas licitações direcionam os investimentos para as usinas, ajudando-as a aumentar a capacidade de geração quando necessário e evitando a necessidade de contratos emergenciais, que costumam ser mais caros.
De acordo com Camila Ramos, CEO da consultoria Clean Energy Latin America (Cela), as especificações técnicas do edital do leilão de baterias em junho ainda estão em fase de desenvolvimento. A expectativa é que a escolha dos vencedores combine a oferta do menor preço fixo com a capacidade de escoamento da geração.
“O leilão propõe um modelo de risco-retorno atrativo, com receita fixa indexada à inflação e sem exposição ao risco de preços. Além disso, o certame estabelece um prazo de quatro anos para a execução dos projetos, permitindo que os vencedores escolham o melhor momento para adquirir os sistemas, aproveitando possíveis quedas nos preços das baterias ou acelerando a implantação para antecipar a receita fixa”, explicou Ramos.
Segundo o setor, a introdução de baterias enfrenta resistência de segmentos que receiam a concorrência
Carlos Augusto Leite Brandão, presidente da Associação Brasileira de Armazenamento e Qualidade de Energia (Abaque), destaca que as tecnologias de baterias evoluíram consideravelmente nos últimos 20 anos. No entanto, o setor ainda enfrenta resistência de segmentos que temem a concorrência.
“No Brasil, priorizamos e pagamos por tecnologias antigas. Em São Paulo, por exemplo, os consumidores arcam com custos elevados por postes, fios e transformadores obsoletos. Se houvesse penalidades para as empresas, elas investiriam em novas tecnologias para evitar apagões”, explica.
Para Brandão, o uso de baterias está ligado a interesses de mercado e competitividade. “Atualmente, o uso de baterias de energia depende da regulamentação. Isso pode trazer ao sistema uma energia mais barata, que compete com os custos de usinas térmicas e hidrelétricas. O custo [com baterias] hoje é significativamente mais baixo”.
Samir Moura, coordenador do grupo técnico de armazenamento de energia da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), enfatiza que a regulamentação é um passo essencial para viabilizar o uso de baterias. Essa estruturação envolve desde a taxação dos equipamentos até diretrizes técnicas para a distribuição de energia.
“Esse processo não é rápido. As discussões são lentas e dependem da burocracia política. Ainda assim, o governo começa a se movimentar. Existem leilões de reserva e projetos específicos em Noronha”, observa Moura.
De acordo com um estudo da Cela, o mercado de sistemas de armazenamento de energia no Brasil deve crescer, em média, 12,8% ao ano até 2040, com um acréscimo de até 7,2 gigawatts (GW) de capacidade instalada no período.
Como Funciona o Armazenamento de Energia Eólica e Solar
A energia gerada em parques eólicos e por painéis solares é enviada à rede elétrica no momento da produção. O desafio é que muitas vezes há um desencontro entre o pico de geração e o pico de demanda.
Por exemplo, os ventos tendem a ser mais fortes durante a madrugada, quando o consumo de energia é reduzido. Já a energia solar não está disponível após o pôr do sol, o que ocorre antes do horário de maior demanda, entre 18h e 21h. Assim, nem sempre as energias eólica e solar atendem aos momentos de maior necessidade e, em várias ocasiões, o excesso de produção precisa ser descartado.
As baterias oferecem uma solução para armazenar essa energia e utilizá-la conforme necessário, reduzindo a dependência de hidrelétricas e termelétricas. Esse gerenciamento é ainda mais crucial em áreas remotas com sistemas de energia solar off grid, que produzem energia durante o dia para consumo à noite.
Recentemente, o país tem enfrentado a queda nos níveis dos reservatórios devido à seca. Se as chuvas não forem suficientes nos próximos meses, existe o risco de uma crise de abastecimento.
A preocupação do setor é que, além de suprir a demanda até o próximo período chuvoso, os reservatórios precisam manter reservas caso as chuvas atrasem ou sejam insuficientes.
Atualmente, cerca de 60% da eletricidade no Brasil provém das hidrelétricas. Entretanto, quando é necessário preservar os níveis dos reservatórios, as termelétricas são acionadas, o que aumenta os custos da energia elétrica por dependerem de combustíveis fósseis e terem operação mais cara.
“Há energia sendo desperdiçada porque não é possível transmiti-la para a rede devido a congestionamentos. Isso representa uma perda para o investidor. As baterias permitem evitar esse desperdício e ajudam a equilibrar a oferta nos horários de pico”, ressalta Moura.
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