Publicado na véspera de Natal, em 24 de dezembro, o decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que impõe restrições ao uso da força policial em todo o Brasil, gerou uma nova disputa entre o governo e a oposição parlamentar. Governadores também se manifestaram contra o decreto, e além de ações no Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso Nacional deve tomar medidas em relação ao texto elaborado pelo Ministério da Justiça.
O decreto estabelece, entre outros pontos, que os policiais só poderão usar armas de fogo como último recurso, em situações de risco pessoal. O uso da força física também deve ser evitado, e para implementar essas diretrizes, os agentes precisarão passar por uma capacitação específica.
O governador do Rio de Janeiro, Claudio Castro (PL), criticou a iniciativa do governo federal por mudanças propostas sem a devida consulta aos governadores. Castro afirmou que buscará contestar o decreto no STF, destacando que a Constituição atribui aos estados a gestão da segurança pública.
“Um decreto sem diálogo, publicado à noite, sem respaldo legal e em uma clara invasão das competências estaduais. Agora, para usar armas de fogo, as polícias estaduais terão que pedir permissão a burocratas em Brasília. Isso é um absurdo. Espero que o Congresso se mobilize para revogar esse decreto. No Rio, vamos entrar imediatamente com uma ação no STF!” afirmou Castro.
O decreto do governo Lula estabelece que os estados devem cumprir certas condições para ter acesso aos repasses do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP), cujos recursos provêm das loterias federais. Em 2025, o fundo deverá contar com um montante de aproximadamente R$ 1,1 bilhão.
Esses recursos poderão ser destinados a diversas áreas, como o combate ao crime organizado, a proteção de bens patrimoniais, a redução de homicídios intencionais, a melhoria das condições de trabalho para os profissionais da segurança pública e o enfrentamento da violência contra a mulher.
O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), classificou a medida como uma "clara chantagem do governo federal".
"O decreto obriga os estados a seguirem as diretrizes de segurança pública do governo do PT, sob pena de perderem o acesso aos fundos destinados à segurança e ao sistema penitenciário. Isso é uma chantagem explícita contra os estados, que acaba beneficiando a criminalidade", afirmou Caiado.
Especialistas consultados pela Gazeta do Povo sugerem que a pressão financeira e orçamentária pode ser a estratégia implícita do Ministério da Justiça para forçar os gestores estaduais a adotar as novas regras, apesar de não ser uma exigência obrigatória para os estados. Eles também alertam que as novas normas podem comprometer tanto a segurança física quanto jurídica dos policiais.
"O que parece ser o principal objetivo dessa ação federal é usar a questão financeira para interferir na segurança pública dos estados, condicionando o repasse de verbas federais apenas àqueles que aderirem ao padrão proposto. Isso tem o potencial de agravar ainda mais o atual cenário da segurança pública", afirmou Alex Erno Breunig, advogado e coronel da reserva da Polícia Militar do Paraná.
Bancada da Segurança Planeja Reverter Decreto no Congresso
Parlamentares da Frente Parlamentar da Segurança Pública estão articulando a apresentação de um Projeto de Decreto Legislativo (PDL) para revogar o decreto do governo Lula. A proposta precisa ser aprovada tanto na Câmara quanto no Senado, e sua tramitação deverá começar somente em fevereiro de 2025, após o recesso parlamentar.
O deputado Rodolfo Nogueira (PL-MS) é o responsável por liderar a movimentação para a apresentação do PDL. De acordo com Nogueira, o decreto assinado por Lula representa uma grave ameaça à segurança pública e favorece a criminalidade.
“Ao limitar a atuação da polícia, o governo Lula coloca em risco a vida de milhões de brasileiros, enfraquecendo quem deveria proteger a população e fortalecendo a criminalidade”, afirmou o deputado.
De acordo com Nogueira, o PDL visa assegurar a autonomia das forças policiais e preservar a capacidade dos estados de combater a criminalidade. “Esse decreto é mais um exemplo de como o governo atual está mais preocupado em combater a polícia do que enfrentar o crime. Não podemos permitir isso”, afirmou o deputado.
Membros da bancada da segurança propõem que o assunto seja levado ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), na reunião de líderes marcada para quinta-feira (26). Lira decidiu suspender o recesso parlamentar e retornar a Brasília com o objetivo de discutir a eleição, prevista para fevereiro, dos cargos na Mesa Diretora, além de tratar da decisão do ministro Flávio Dino sobre as emendas parlamentares.
Embora haja uma mobilização dos deputados contra o decreto de Lula, a previsão é de que o tema seja debatido apenas pelo sucessor de Lira na presidência da Câmara.
"Em vez de fortalecer quem nos protege, o decreto parece criar facilidades para os criminosos, enquanto desarma e limita a ação da polícia. O foco do governo Lula está claro: atacar quem combate o crime, ao invés de enfrentar os bandidos", criticou a deputada Silvia Waiãpi (PL-AP).
Ministro da Justiça Busca Acelerar a Implementação do Decreto
Diante das críticas e reações contrárias, o ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, afirmou que pretende acelerar a implementação das medidas estabelecidas no decreto. Originalmente, as novas regras entrariam em vigor em até 90 dias após a publicação, mas agora a expectativa é de que isso ocorra até o final de janeiro.
Essa movimentação ocorre após uma jovem de 26 anos ser baleada na cabeça durante uma abordagem da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no Rio de Janeiro, na véspera do Natal.
"A força letal não deve ser a primeira opção das polícias. Ela deve ser utilizada apenas como último recurso. A abordagem policial precisa ser feita sem discriminação contra o cidadão brasileiro", defendeu Lewandowski.
O novo decreto não só estabelece que armas de fogo devem ser usadas apenas em situações de risco iminente e que o uso da força física deve ser evitado, mas também reforça que as abordagens policiais precisam ser feitas sem discriminação. O texto ainda determina que, sempre que o uso da força resultar em ferimentos ou mortes, deverá ser elaborado um relatório detalhado, conforme as diretrizes a serem definidas pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública.
O ministro da Justiça anunciou a criação de uma portaria para regulamentar essas medidas e afirmou que "a polícia não pode combater o crime cometendo crimes". Segundo ele, os policiais devem ser exemplos para as demais forças de segurança.
"A polícia não pode combater a criminalidade cometendo crimes. As polícias federais precisam servir de exemplo para as demais forças", declarou o ministro, em referência ao caso envolvendo os agentes da PRF.
O especialista em segurança pública Sérgio Leonardo Gomes alerta que as regras do decreto podem aumentar os casos de morte entre policiais, uma vez que tornariam as ações policiais mais restritivas.
“Estamos falando do Brasil, onde enfrentamos o crime organizado e o tráfico internacional de drogas e armas. São organizações extremamente bem preparadas e dispostas a matar”, comentou Gomes ao analisar o decreto.
Lula já se Envolveu em Outro Conflito com Governadores sobre Segurança Pública
O decreto sobre o uso das forças policiais não é o primeiro confronto entre o governo Lula e os governadores. Anteriormente, o governo petista foi acusado de tentar interferir nas prerrogativas estaduais ao apresentar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que visava aumentar o poder da União sobre a segurança pública.
Naquela ocasião, os governadores do Consórcio de Integração Sul-Sudeste (Cosud) publicaram uma nota de repúdio à proposta. "A segurança pública deve ser construída com base na colaboração, no respeito às especificidades regionais e no fortalecimento das capacidades locais, e não por meio de uma estrutura centralizada que limita a eficiência e aumenta a burocracia", afirmava a carta de Florianópolis, assinada pelos governadores Jorginho Mello (SC), Cláudio Castro (RJ), Tarcísio de Freitas (SP), Romeu Zema (MG), Renato Casagrande (ES) e Carlos Massa Ratinho Júnior (PR).
Diante da resistência e da possibilidade de enfrentar uma derrota no Congresso, o texto do decreto foi reenviado ao gabinete do ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, para ajustes adicionais. A principal alteração sugerida pelos governadores é dar prioridade à atuação conjunta e coordenada das polícias estaduais no combate às milícias, em contraste com a proposta original do governo Lula, que favorecia o fortalecimento da Polícia Federal (PF).
O plano da pasta liderada por Lewandowski também inclui ampliar as competências da Polícia Rodoviária Federal (PRF), tornando-a uma corporação com uma atuação mais ostensiva, similar às polícias militares.
Para o delegado Rodolfo Laterza, da Associação de Delegados de Polícia do Brasil (Adepol), o governo deveria investir mais em medidas práticas, em vez de gastar esforços políticos com uma PEC. Segundo ele, existem alternativas mais simples e eficazes para a segurança pública, como a integração e unificação de bancos de dados das forças de segurança, além de protocolos de atuação conjunta entre os órgãos. “A redução dos índices de criminalidade não depende de mudanças constitucionais, mas sim de soluções construídas através do diálogo entre os entes federativos e as instituições envolvidas”, defende Laterza.
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