A recente elevação da taxa básica de juros e a expectativa de novos aumentos geram grande preocupação entre as empresas brasileiras, especialmente aquelas com alto nível de endividamento ou que dependem de crédito bancário para suas operações diárias. Diversas pesquisas indicam um aumento expressivo no número de pedidos de recuperação judicial, refletindo os desafios econômicos enfrentados pelas empresas.
Na semana passada, o Banco Central elevou a Selic para 11,25%, e há expectativas de que a taxa continue a subir nos próximos meses, impulsionada pela inflação persistente, pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) acima da meta e pelo desequilíbrio das contas públicas no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
De acordo com George Sales, coordenador do mestrado profissional em Controladoria e Finanças da Fipecafi, a pressão sobre os preços deve continuar a afetar tanto empresas quanto consumidores no curto prazo, gerando um cenário de incerteza e dificuldades econômicas para muitos setores.
A inflação impulsionada pelos custos de energia e câmbio deve aumentar as despesas para empresas e consumidores, especialmente no setor varejista, que historicamente experimenta um aquecimento durante o período de festas, devido ao aumento temporário da renda das famílias. Segundo especialistas, esse cenário tende a dificultar cortes nas taxas de juros nos próximos anos.
Uma pesquisa do Banco Central com o mercado financeiro mostra que, nas últimas quatro semanas, as projeções para a Selic no final de 2025 passaram de 10,75% para 11,5%. Para 2026, as expectativas aumentaram de 9,5% para 9,75%, e para 2027, subiram de 9% para 9,25%.
Rodrigo Gallegos, sócio da RGF Associados e especialista em reestruturação e recuperação judicial, alerta que empresas com grandes dívidas enfrentam sérias dificuldades para cumprir suas obrigações financeiras em um ambiente de crédito restrito. “Estamos vivendo uma 'tempestade perfeita' que deve se intensificar nos próximos meses”, afirma Gallegos.
De acordo com dados da RGF Associados, o número de empresas em recuperação judicial atingiu seu nível mais alto desde o segundo trimestre de 2023. Em 2024, houve um aumento de 40% nas solicitações de recuperação judicial e um crescimento de 26,4% nos pedidos de falência, segundo dados da Serasa Experian.
O número de empresas que estão buscando recuperação judicial tem aumentado significativamente
No terceiro trimestre de 2024, o número de empresas em recuperação judicial no Brasil atingiu o maior nível desde junho de 2023, de acordo com um levantamento da RGF Associados, com dados da Receita Federal. Durante esse período, 4.408 empresas solicitaram recuperação judicial, representando um aumento de 4,3% em relação ao trimestre anterior. Como resultado, a taxa de empresas em recuperação judicial subiu de 1,84 para 1,9 por mil empresas.
"Após uma desaceleração no ritmo de crescimento nos primeiros dois trimestres de 2024, o terceiro trimestre apresentou um aumento significativo", comenta Rodrigo Gallegos. Esse crescimento é parcialmente atribuído às altas taxas de juros, que têm impactado especialmente os setores que dependem de financiamento. Além disso, as recentes mudanças na legislação tornaram a recuperação judicial uma opção mais viável para empresas em dificuldades financeiras, explica Gustavo Arzabe, advogado especializado em reestruturação.
O setor da construção civil, em termos absolutos, é o mais afetado, com destaque para a incorporação imobiliária e a construção de edifícios. Entre as empresas em recuperação, as holdings não financeiras lideram o ranking. Apesar de um crescimento de 0,6% no PIB da construção no período de 12 meses até junho, as perspectivas para o setor continuam preocupantes. "A alta das taxas de juros, as dificuldades fiscais e as mudanças nas regras de financiamento habitacional têm tornado o cenário desafiador", comenta Ana Maria Castelo, coordenadora de projetos da construção no FGV Ibre.
Segundo uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), divulgada em outubro, a percepção dos empresários sobre a saúde financeira das empresas piorou no terceiro trimestre. O aumento nos preços dos insumos também tem gerado preocupação. Entre os segmentos mais afetados, destacam-se as produtoras de açúcar bruto, com 18,6% das empresas em recuperação judicial, seguidas pela fabricação de álcool (7,6%) e pela construção de embarcações de grande porte (7%).
Minas Gerais apresentou o maior aumento no número de empresas em recuperação judicial, com uma alta de 18,8% no terceiro trimestre, somando 297 empresas. Contudo, a taxa média estadual é inferior à média nacional, com 1,52 empresa em recuperação para cada mil.
Os setores com o maior número de empresas em recuperação judicial incluem o transporte rodoviário de cargas, holdings não financeiras e o comércio varejista de combustíveis. Além disso, o monitoramento da RGF revelou um crescimento no número de empresas em recuperação no Rio Grande do Sul, que registrou 396 empresas nessa situação, o que representa um aumento de 9,7% em relação ao trimestre anterior. Esse aumento foi impactado pelas fortes chuvas no estado entre abril e maio, que causaram sérios danos a várias empresas.
A inadimplência crescente dos consumidores tem sido um fator importante que impacta negativamente os negócios no Brasil. De acordo com dados da Serasa Experian, o número de recuperações judiciais entre janeiro e setembro de 2024 aumentou 44,1% em relação ao mesmo período de 2023.
Luiz Rabi, economista da Serasa, explica que as altas taxas de juros aumentam o custo do crédito, o que dificulta para as empresas honrarem suas dívidas. Além disso, a inadimplência crescente dos consumidores tem prejudicado o fluxo de caixa das empresas, e o acesso restrito ao crédito limita as opções de financiamento disponíveis.
A inflação também tem um impacto direto, reduzindo o poder de compra dos consumidores e afetando as vendas, o que, por sua vez, prejudica a saúde financeira das empresas. Esses fatores combinados têm criado um cenário desafiador, fazendo com que muitas empresas busquem a recuperação judicial como uma forma de reestruturar suas dívidas e continuar operando.
Nos primeiros três trimestres de 2024, mais de 60% das recuperações judiciais ocorreram nos setores de comércio e serviços, com destaque para as micro e pequenas empresas, que representaram três em cada quatro pedidos de recuperação. As dívidas negativadas no Serasa chegaram a R$ 139,5 bilhões em setembro, o maior valor desde o início da série histórica, em março de 2016.
Rabi destaca que, em tempos de dificuldades econômicas, as micro e pequenas empresas são as mais afetadas, devido à sua menor capacidade de absorver os impactos financeiros. Elas também enfrentam obstáculos adicionais, como o difícil acesso ao crédito, o que agrava ainda mais sua situação.
Comments