Mercosul e União Europeia Concluem Acordo Comercial Após 25 Anos de Negociação
- Panorama da Semana
- 6 de dez. de 2024
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Atualizado: 22 de mar.

Após 25 anos de negociações intensas, o Mercosul e a União Europeia (UE) anunciaram o fechamento de um acordo comercial na manhã desta sexta-feira, 6 de dezembro, durante a 65ª Cúpula do Mercosul, realizada em Montevidéu, Uruguai.
núncio foi feito pelo presidente do Uruguai e do Mercosul, Luis Lacalle Pou, juntamente com a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, e contou com a presença dos líderes dos demais países integrantes do bloco sul-americano: Luiz Inácio Lula da Silva (Brasil), Javier Milei (Argentina) e Santiago Peña (Paraguai).
Os líderes sul-americanos se encontraram na manhã desta sexta-feira para chegar a um consenso sobre a aprovação do acordo, que também recebeu o aval da presidente da Comissão Europeia, responsável por negociar acordos comerciais para o bloco. O tratado cria a maior zona de livre comércio do mundo, envolvendo aproximadamente 700 milhões de consumidores e um PIB conjunto de US$ 21,3 trilhões. No entanto, o acordo ainda não entra em vigor imediatamente.
"Não há soluções mágicas, nem burocratas nem governos podem garantir a prosperidade. Essa oportunidade está nas mãos de cada um de nós e na velocidade com que podemos avançar com o acordo em cada um de nossos países e na União Europeia", declarou Lacalle Pou, anfitrião do encontro e o primeiro a falar. "A nossa responsabilidade como presidentes, como pais de uma grande família, é deixar de lado o que não nos une."
“Este é um dia positivo para o Mercosul, para a Europa e para o nosso futuro compartilhado”, disse Von der Leyen em seguida. “Estamos focados na justiça e no respeito mútuo, e o Mercosul proporcionará benefícios para as empresas de ambos os lados”, completou. Segundo ela, a União Europeia atuará em prol de setores como mineração, produtos sustentáveis e elementos que impactam diretamente as sociedades, como eletricidade.
Assim como o presidente do Uruguai, Von der Leyen destacou que, ao formar uma das maiores alianças globais, o acordo mostra “para o mundo que ele pode ser guiado por valores, que os acordos são uma forma de compartilhar esses valores”. A presidente da Comissão Europeia salientou que o acordo Mercosul-União Europeia é um passo importante para o cumprimento do Acordo de Paris.
Von der Leyen ainda mencionou que o presidente Lula se empenhou na preservação da Amazônia, afirmando que o acordo do Mercosul-UE também garantirá esforços nessa direção. “Preservar a Amazônia é uma responsabilidade compartilhada por toda a comunidade internacional, e este acordo assegura que os investimentos respeitarão o patrimônio natural do Mercosul”, afirmou.
Ao concluir seu anúncio, Von der Leyen lembrou o empenho de todos que trabalharam ao longo de 25 anos para fechar o acordo. “Toda uma geração dedicou esforços, visão e determinação para tornar este acordo realidade. Agora é nossa vez de honrar esse legado, garantindo que este acordo cumpra todas as promessas e efetivamente beneficie as gerações futuras”, disse.
Mais tarde, durante a 65ª Cúpula do Mercosul, o presidente Lula afirmou que a reunião “tem um significado muito especial”, ao marcar a conclusão das negociações do acordo Mercosul-União Europeia, no qual os nossos países investiram um capital político e diplomático significativo por quase três décadas”.
Lula também destacou a diferença do texto atual em relação ao que foi aprovado em 2019, durante o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro, afirmando que as “condições herdadas eram inaceitáveis”. “Temos hoje um texto moderno, equilibrado, que reconhece as credenciais ambientais do Mercosul e reforça nosso compromisso com os acordos de Paris. A realidade geopolítica e econômica global mostra que a integração fortalece nossa sociedade”, concluiu o mandatário brasileiro.
As autoridades de ambos os blocos anteciparam a assinatura do acordo
Na quinta-feira (5), algumas autoridades envolvidas no acordo anteciparam o anúncio desta sexta-feira. Durante uma escala no Brasil com destino ao Uruguai, a presidente do Conselho Europeu publicou em sua conta no X que “a linha de chegada do acordo UE-Mercosul estava à vista”.
"Pousamos na América Latina. A linha de chegada do acordo UE-Mercosul está à vista. Vamos trabalhar, vamos cruzá-la. Temos a oportunidade de criar um mercado de 700 milhões de pessoas", anunciou. No mesmo dia, o chanceler do Uruguai, Omar Paganini, afirmou que “todas as partes chegaram a um consenso sobre o acordo entre Mercosul e UE”.
No entanto, nem todos os países que serão impactados pelo acordo se mostraram favoráveis à assinatura. A França foi uma das principais vozes contrárias. Pouco após a publicação de Von der Leyen no X, o gabinete de Emmanuel Macron informou que a França não pode aceitar o acordo.
“O projeto de acordo entre a UE e o Mercosul é inaceitável como está. O presidente Emmanuel Macron reiterou isso hoje à presidente da Comissão Europeia”, escreveu o Palácio do Eliseu também em seu perfil do X. Questões relacionadas ao cumprimento do Acordo de Paris, incluindo metas de mudança climática, e legislações internacionais trabalhistas são alguns dos argumentos usados pelos europeus para justificar sua posição.
Além disso, a resistência francesa em assinar o acordo é em grande parte motivada pelo setor agrícola, que vê a chegada de produtos do agronegócio sul-americano a preços mais baixos como uma ameaça. Em novembro, crises geradas por declarações de líderes da Danone e do Carrefour evidenciaram a resistência do setor na Europa.
A parte comercial do acordo só passará a valer após a aprovação no Conselho e no Parlamento Europeu
A validação interna do acordo pela UE é dividida em duas etapas. A parte econômica-comercial precisa ser aprovada tanto pelo Conselho quanto pelo Parlamento Europeu. O restante do acordo, além da aprovação dessas entidades, ainda precisará ser ratificado pelos parlamentos dos 27 países-membros da UE.
Para ser aprovado no Parlamento Europeu, o acordo precisa do apoio de uma maioria qualificada, ou seja, pelo menos 55% dos países-membros (15 de 27), que representem 65% da população total do bloco. Esse mecanismo foi criado para equilibrar o poder entre as nações mais e menos populosas.
A França, no entanto, tenta formar uma minoria qualificada para barrar a proposta, necessitando aliar-se com três outros países. Até o momento, a Polônia foi o único a apoiar a iniciativa francesa. Itália, Irlanda e Bélgica expressaram preocupações com o acordo, mas de maneira menos veemente, e o parlamento holandês se posicionou contra a parte comercial.
Por outro lado, Alemanha e Espanha apoiam o tratado, contando com o respaldo de outros 11 Estados-membros da UE. Seu principal argumento é criar novas rotas comerciais, ajudando a reduzir a dependência da China e se proteger de possíveis medidas tarifárias do governo do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump.
No lado do Mercosul, o acordo precisa ser consensuado pelos líderes dos países do bloco e posteriormente aprovado nos parlamentos de cada país para que tenha validade em cada nação. Leonardo Paz, pesquisador do Núcleo de Inteligência Internacional da Fundação Getúlio Vargas, observa que, no Mercosul, a situação é mais “tranquila”, embora alguns “ruídos” venham da Argentina. O governo liberal do vizinho sul-americano tende a apoiar o acordo, que foi liderado pelo Brasil na negociação.
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Conforme Cristina Helena de Mello, professora de economia da PUC-SP, acordos comerciais desempenham um papel crucial na expansão de mercados.
No caso do acordo Mercosul-União Europeia, ela destaca que a Europa é um dos principais parceiros comerciais do Brasil devido ao alto valor das exportações brasileiras por tonelada. As expectativas são positivas, com a ampliação do acesso aos mercados europeus resultando no crescimento das exportações brasileiras. “Há benefícios claros na ampliação de mercados, na priorização das relações comerciais com o Brasil, e na redução de custos de negociação e encargos”, afirma a professora.
Leonardo Paz acrescenta que o Brasil se beneficia especialmente com o aumento do acesso às commodities minerais e, especialmente, às agrícolas. “O Brasil é extremamente competitivo neste setor, por isso os fazendeiros franceses estão pressionando para que a França não aceite o acordo”, explica.
Em 2024, de acordo com dados do ComexStat, do Ministério do Desenvolvimento, o Brasil exportou US$ 45 bilhões para a União Europeia e importou US$ 43,5 bilhões. As trocas comerciais com a UE representam 14,43% das exportações brasileiras e 17,95% das importações.
Entre os principais produtos exportados estão petróleo e óleos minerais (23% do total), café (12%), farelos de soja para animais (8,6%), soja (6,5%), celulose (5%) e sucos de frutas ou vegetais (3,8%).
Indústria nacional pode ser prejudicada pelo acordo Mercosul- União Europeia
Leonardo Paz avalia que a indústria brasileira pode enfrentar desafios com o acordo Mercosul-União Europeia, especialmente devido à competitividade mais elevada dos produtos europeus. “A entrada desses produtos industriais europeus no mercado brasileiro, com tarifas reduzidas e escalonamento de prazos, cria um cenário onde as empresas brasileiras precisarão competir de forma direta com uma quantidade de competidores muito mais avançada na Europa, o que é um problema sério”, alerta Paz.
Cristina Helena também destaca a indústria como um ponto crítico. “Estamos enfrentando um processo de desindustrialização que afeta diretamente o crescimento econômico, a complexidade produtiva e a criação de empregos de qualidade”, argumenta. Para ela, abrir mercado para uma maior entrada de produtos industrializados europeus exige compensações adequadas para a indústria nacional, como os subsídios que a França utiliza para a agricultura. Essas compensações devem estar relacionadas à ampliação da competitividade e à manutenção da indústria, e não serem subsídios indefinidos e sem critérios claros.
O vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin, por outro lado, vê o acordo como uma oportunidade vantajosa para ambos os lados. “Este acordo com a União Europeia pode ser um ‘ganha-ganha’ histórico, proporcionando benefícios para ambos os lados”, afirmou Alckmin durante o 2.º Seminário Nacional de Política Industrial, promovido pela Câmara dos Deputados.
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