Na segunda vez em menos de uma semana, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central enviou um recado contundente ao governo federal sobre a importância do controle dos gastos públicos. Esse aviso foi reforçado nesta terça-feira (12) com a publicação da ata da reunião do Copom realizada na semana anterior, que culminou em um aumento de 0,5 ponto percentual na taxa básica de juros (Selic), elevando-a para 11,25% ao ano.
De acordo com o Copom, a contenção das despesas públicas é crucial para trazer a inflação de volta à meta central de 3% em 12 meses, definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), e para mitigar os riscos associados aos ativos financeiros brasileiros.
Os diretores do Banco Central destacam que o aumento nos gastos governamentais e a falta de clareza nas regras fiscais impactam os preços dos ativos e as expectativas inflacionárias, tornando a disciplina fiscal essencial para a viabilidade da política monetária. Eles alertam ainda que uma piora contínua nas expectativas pode resultar em uma extensão do ciclo de alta dos juros.
Desde o início do ano, a deterioração das expectativas tem se intensificado. No começo do ano, a projeção do mercado financeiro para o IPCA em 2024 era de 3,9%. No início desta semana, a estimativa subiu para 4,62%, marcando a sexta semana consecutiva de alta e a terceira semana acima da meta.
A situação das contas públicas é um dos fatores que contribuem para o crescente distanciamento entre as expectativas de inflação e a meta estabelecida.
Desde junho de 2023, o setor público consolidado registra déficit primário (despesas governamentais excluindo juros da dívida pública menos a arrecadação) no acumulado em 12 meses. O endividamento público subiu quase sete pontos percentuais desde o início do governo Lula, em janeiro de 2023, e atingiu 78,27% do PIB em setembro, segundo dados do Banco Central.
"A implementação de uma política fiscal confiável, sustentada por regras claras e transparência nos resultados, aliada à execução de estratégias fiscais que demonstrem e reforcem o comprometimento com o arcabouço fiscal nos próximos anos, é fundamental para ancorar as expectativas de inflação e reduzir os prêmios de risco dos ativos financeiros, influenciando assim a política monetária", destaca um trecho da ata do Copom.
O prosseguimento da política de aumento de gastos públicos, a redução no esforço por reformas estruturais e disciplina fiscal, a ampliação do crédito direcionado a setores específicos e as incertezas em torno da estabilização do endividamento público contribuem para elevar a taxa de juros neutra da economia, que é aquela que não impulsiona nem freia o crescimento econômico.
Esse cenário força o Banco Central a intensificar o uso da política monetária, o que impacta o custo de reduzir a inflação, refletindo na atividade econômica.
As despesas do governo contribuem para o superaquecimento da economia
Um dos efeitos da maior flexibilidade nas questões fiscais é o aquecimento excessivo da economia brasileira e o dinamismo do mercado de trabalho. As projeções do mercado financeiro indicam um crescimento de 3,1% do PIB neste ano.
Embora o Banco Central tenha observado sinais iniciais de moderação em alguns indicadores, como os relacionados ao comércio e ao rendimento, ainda não é possível afirmar que há uma mudança consistente no ritmo da atividade econômica.
O Copom enfatiza que continuará monitorando a evolução da atividade econômica, pois o ritmo de crescimento torna mais desafiador o retorno da inflação à meta estabelecida pelo CMN. Pelo quarto ano consecutivo, a economia brasileira deve crescer em torno de 3% ou mais.
“A combinação de um mercado de trabalho forte, uma política fiscal expansionista e o aumento nas concessões de crédito às famílias continua sustentando o consumo e, consequentemente, a demanda agregada”, destaca a ata.
A ata do Copom revela que a pressão no mercado de trabalho está impactando os preços dos serviços
O comitê expressa preocupação com o dinamismo do mercado de trabalho, destacando os ganhos reais (acima da inflação) nos salários nos últimos meses. Dados do projeto Salariômetro, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), indicam que, nos 12 meses até setembro, houve um aumento real mediano de 1,3% nos salários.
“Sem evidências de um crescimento significativo da produtividade, esses ganhos podem indicar pressão no mercado de trabalho”, aponta o documento do Banco Central. Em algumas áreas, já são notados problemas na oferta de mão de obra.
Os diretores do Banco Central observam que, se os aumentos reais dos salários persistirem e superarem os ganhos de produtividade, isso pode resultar em uma inflação mais elevada.
Outro impacto de um mercado de trabalho aquecido é a pressão sobre os preços dos serviços, impulsionada pelo aumento no consumo. A ata destaca que a inflação desse setor permanece acima da meta estabelecida. A interação desses fatores desempenha um papel crucial na precificação dos ativos brasileiros.
Desde a reunião do Copom no final de setembro, os preços dos ativos no Brasil têm mostrado maior volatilidade e risco. A autoridade monetária enfatiza que há incertezas tanto no cenário interno quanto no externo. “Um ambiente de maior incerteza global e movimentos mais bruscos exige cautela adicional na condução da política monetária doméstica”, frisa o documento.
As incertezas no cenário externo também são notáveis
A autoridade monetária observa que também há incertezas no cenário internacional. "Um ambiente de maior incerteza global e movimentos mais bruscos requer uma abordagem mais cautelosa na condução da política monetária interna", destaca o documento. O Banco Central considera que existem incertezas econômicas e geopolíticas significativas, especialmente nos Estados Unidos e na China.
As preocupações com o ritmo da desinflação e a desaceleração econômica nos EUA, juntamente com a possibilidade de alterações em sua política econômica, geram incertezas. A China, embora enfrentando uma desaceleração, tem adotado medidas fiscais e monetárias que podem oferecer algum suporte ao seu crescimento no curto prazo.
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