A Polícia Federal (PF) afirma ter indícios que apontam Jair Bolsonaro (PL) como líder de uma organização criminosa que tentou dar um golpe de Estado após a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). O relatório de 884 páginas que acusa o ex-presidente e outras 36 pessoas ainda está sob sigilo, mas algumas informações foram repassadas à Gazeta do Povo por investigadores com conhecimento do caso. Bolsonaro nega as acusações e diz ser vítima de perseguição.
A trama costurada pela PF se baseou em indícios que vinham sendo coletados no último ano e meio de investigações sobre o 8 de janeiro, como a suposta "minuta do golpe" encontrada na casa do ex-ministro Anderson Torres, mas focou especialmente em conversas e documentos recuperados recentemente de dispositivos eletrônicos do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid. Um software israelense foi usado para a restauração dos arquivos deletados, já que eles não haviam sido indicados por Cid quando ele fechou um acordo de delação premiada, em 2023.
Esse material, segundo a PF, sugere que foram realizadas reuniões, no Palácio do Planalto e na residência oficial da Presidência, para discutir ações para reverter o processo eleitoral de 2022. Depoimentos de comandantes do Exército também foram elencados como indícios de que essas reuniões teriam ocorrido.
Os investigadores também incluem na trama o fato de o Partido Liberal ter entrado com uma ação no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), logo após as eleições de 2022, para tentar invalidar votos de diversas urnas utilizadas no pleito daquele ano. Para a PF, houve utilização da estrutura do governo e do PL para financiar supostas narrativas de fraudes eleitorais. Valdemar Costa Neto, presidente da sigla, e Carlos Rocha, autor de um relatório divulgado à época que falava em supostas falhas nas urnas eletrônicas, também foram indiciados pela PF nesta quinta-feira (21).
Segundo fontes consultadas pela reportagem, os indiciamentos desta semana não têm relação nem consideraram outras investigações, como o da chamada Abin Paralela, a das joias sauditas e a da vacina da Covid-19. Contudo alguns nomes já citados nesses outros inquéritos voltaram a aparecer na investigação sobre o suposto golpe.
É o caso do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), investigado no inquérito da suposta "Abin Paralela". Ele foi incluído no indiciamento da PF nesta quinta-feira por suspeita de ter utilizado a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), em que era diretor durante o governo Bolsonaro, para monitorar autoridades e dar apoio aos atos que culminariam com um suposto golpe de Estado. A defesa de Ramagem disse que não pretende se manifestar por enquanto.
Segundo a investigação, havia "núcleos estruturantes" para dar apoio ao suposto golpe:
Núcleo de Desinformação e Ataques ao Sistema Eleitoral;
Núcleo Responsável por Incitar Militares à Aderirem ao Golpe de Estado;
Núcleo Jurídico;
Núcleo Operacional de Apoio às Ações Golpistas;
Núcleo de Inteligência Paralela;
Núcleo Operacional para Cumprimento de Medidas Coercitivas
A Polícia Federal aponta que o ex-presidente Jair Bolsonaro teria se envolvido em diversos núcleos investigados.
O ministro Alexandre de Moraes, que também foi citado como uma possível vítima do grupo acusado de tentar tomar o poder em 2022, é o relator do inquérito no STF.
Após o indiciamento ser divulgado pela PF em uma nota oficial, Bolsonaro reagiu acusando Moraes de realizar uma "pesca probatória" contra ele. O ex-presidente afirmou que o ministro "conduz o inquérito, ajusta depoimentos, faz prisões sem denúncia e tem uma assessoria bastante criativa", acrescentando que Moraes "faz tudo o que a lei não permite", conforme declarou ao portal Metrópoles na última quinta-feira.
Agora, a Procuradoria-Geral da República (PGR) tem um prazo de 15 dias para decidir se aceita as denúncias, solicita novas investigações ou pede o arquivamento do caso. A seguir, estão os principais indícios apresentados pela Polícia Federal ao STF contra Bolsonaro.
De acordo com informações obtidas pela Polícia Federal, conversas recuperadas dos celulares de Mauro Cid, envolvendo outros interlocutores, indicaram a existência de um plano para a execução de um suposto golpe de Estado. O plano incluía a morte do então presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT), do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro do STF, Alexandre de Moraes.
A análise e o cruzamento de dados realizados pelos investigadores levaram à conclusão de que esse plano foi impresso no Palácio do Planalto enquanto Jair Bolsonaro estava no local. Essa informação foi obtida através da localização dos celulares de alguns dos envolvidos, utilizando sinais de torres de telefonia e registros feitos em uma impressora no Palácio do Planalto.
Além disso, a PF apurou, com base em depoimentos de oficiais das Forças Armadas e na localização de celulares, que no dia 7 de dezembro de 2022 houve uma reunião no Palácio da Alvorada, residência oficial de Bolsonaro. Nesse encontro, foi discutida uma minuta de decreto de Estado de Defesa ou Sítio, além do início de uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
Os encontros contaram com a presença de oficiais das Forças Armadas, ministros de governo e assessores – embora a polícia ainda não tenha divulgado a relação dos nomes que estariam presentes, além do ex-presidente.
A PF também teria identificado nas investigações que Bolsonaro participou e revisou esse documento, chamado de "minuta do golpe". Na reunião do Palácio da Alvorada Bolsonaro teria apresentado uma versão que incluía a criação de uma comissão para investigar o processo eleitoral.
A suposta minuta também incluía a convocação de novas eleições. Cruzadas essas informações com conversas recuperadas do celular de Mauro Cid com outros indiciados, a PF identificou a indicação de um gabinete provisório de crise que Bolsonaro teria conhecimento.
Bolsonaro nega que tivesse conhecimento e qualquer participação na estruturação da suposta minuta e que nunca teve conhecimento de sua existência. O tal documento, encontrado na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, não estava assinado.
Em despacho que autorizou a operação Contragolpe na última terça-feira (19), Alexandre de Moraes cita Bolsonaro ao menos 30 vezes e descreve na decisão que conversas recuperadas pela PF indicavam que militares que participaram do suposto esquema trocaram informações entre si dizendo que Bolsonaro havia autorizado fazer o que fosse preciso para colocar o ato em prática até o dia 31 de dezembro de 2022.
Reunião na casa de Braga Netto
A investigação revelou que o ex-ministro da Defesa, Braga Netto, que foi candidato a vice-presidente na chapa de Jair Bolsonaro em 2022, teve um papel ativo na organização do suposto golpe de Estado, incluindo a realização de uma reunião em sua residência para discutir o tema.
Em depoimento recente ao ministro Alexandre de Moraes, Mauro Cid confirmou a realização da reunião na casa de Braga Netto, embora tenha afirmado não ter permanecido o tempo todo no encontro. Cid negou conhecer detalhes sobre os planos violentos que envolviam a morte de Luiz Inácio Lula da Silva, Geraldo Alckmin e Alexandre de Moraes, de acordo com fontes que acompanharam seu depoimento.
A Polícia Federal aponta que essa reunião ocorreu em 12 de novembro de 2022, quando o plano foi discutido minuciosamente. O monitoramento de Alexandre de Moraes teria iniciado logo após esse encontro, com a investigação evidenciando uma ligação direta entre os eventos e membros do alto escalão do governo da época. A PF acredita que Bolsonaro tinha conhecimento do plano.
A denúncia contra o ex-presidente também inclui a alegação de que ele teve acesso a um suposto texto sobre o golpe no final de 2022, por meio de Filipe Martins, assessor especial da Presidência, que estaria envolvido em um Núcleo Jurídico dentro do esquema. A PF afirma que Bolsonaro chegou a pedir ajustes no conteúdo do texto.
Filipe Martins, que também foi indiciado, teve sua defesa alegando que o indiciamento é "juridicamente insustentável" e "baseado em ilações e narrativas fantasiosas", sem respaldo em fatos ou evidências concretas.
Série de reuniões em novembro e dezembro de 2022 e a participação de Bolsonaro
De acordo com a Polícia Federal, mensagens trocadas entre aliados de Jair Bolsonaro nos meses de novembro e dezembro de 2022 indicam discussões sobre documentos relacionados a um suposto golpe de Estado. Essas mensagens sugerem que Bolsonaro teria conhecimento e participação ativa no processo. A PF afirma que o ex-presidente estava envolvido em todo o planejamento do golpe.
O relatório da PF também aponta que o general Mário Fernandes, ex-ministro interino da Secretaria-Geral da Presidência durante o governo Bolsonaro, foi o idealizador do plano que envolvia a morte de autoridades. Em um áudio recuperado, Fernandes teria afirmado que Bolsonaro deu sua aprovação para o esquema de golpe. Além disso, mensagens recuperadas do celular de Mauro Cid revelam que ele, em conversas com o coronel Marcelo Câmara, também indiciado, procurava informações sobre os deslocamentos do ministro Alexandre de Moraes, sugerindo um monitoramento contínuo de sua movimentação.
Essas conversas, ocorridas em dezembro de 2022, indicam que o grupo investigado estava planejando a morte das autoridades, utilizando métodos como envenenamento ou confrontos armados com armamento pesado. A PF também revelou que o documento detalhando o plano, denominado "Punhal Verde e Amarelo", foi impresso nas instalações do Palácio do Planalto. O general Mário Fernandes foi identificado como o responsável pela impressão de seis cópias do material, que seriam distribuídas durante uma reunião estratégica com a presença de Bolsonaro.
Além disso, a PF identificou registros de entrada de Mário Fernandes no Palácio do Alvorada no dia 17 de dezembro, logo após a impressão dos documentos, indicando sua presença na residência oficial do presidente no dia seguinte à elaboração do plano.
A investigação diz que Jair Bolsonaro teria participado de uma reunião com teor “golpista” em julho de 2022
Outro ponto que teria contribuído para o indiciamento de Bolsonaro, segundo a PF, foi uma reunião com suposto teor golpista em julho de 2022 no Palácio do Planalto, envolvendo integrantes do alto escalão do governo. Durante o encontro, que foi gravado, Bolsonaro teria incentivado ações antes da disputa eleitoral de outubro daquele ano, com uma fala que sinalizaria, no entendimento de investigadores, apoio a um suposto golpe.
Na mesma ocasião, o general Augusto Heleno, então chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), reforçou a necessidade de “virar a mesa” antes do resultado das urnas. Ele teria argumentado que agir rapidamente era essencial para evitar os desdobramentos das eleições. Heleno também foi indiciado nesta semana e sua defesa ainda não se manifestou.
Segundo a Polícia Federal, o episódio mais significativo teria ocorrido em 22 de novembro de 2022, quando a coligação formada por PL, Republicanos e Progressistas entrou com uma ação no TSE com o objetivo de anular votos de diversas urnas utilizadas nas eleições daquele ano.
A PF também relatou que o comitê de campanha de Bolsonaro, que havia sido alugado pelo PL, continuou a ser utilizado por aliados do ex-presidente após as eleições, com alguns defendendo a “possibilidade de uma intervenção militar”. Valdemar Costa Neto, presidente do PL, não se pronunciou sobre o indiciamento. Já o senador Rogério Marinho (PL-RN), líder da oposição no Senado, afirmou que os indiciamentos são uma forma de perseguição política.
O indiciamento de Valdemar Costa Neto, presidente do PL, partido de Bolsonaro, estaria pautado em um suposto financiamento do partido a uma estrutura voltada a promover alegações de supostas fraudes nas urnas eletrônicas. Fontes ligadas à investigação apontam para uma pressão de Bolsonaro e de seu grupo para que isso ocorresse por meio do partido. Essa estratégia buscava legitimar manifestações que ocorreram em frente a instalações militares, nos acampamentos, nos quais apoiadores do ex-presidente se manifestavam.
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