Embora as apostas online (bets) tenham gerado controvérsias nos últimos tempos, o Projeto de Lei (PL) que visa legalizar cassinos físicos, bingos, jogo do bicho e apostas em corridas de cavalo no Brasil está prestes a ser votado no Senado, com votação marcada para esta quarta-feira (4).
A proposta, aprovada pela Câmara no início de 2022 e apoiada pelo governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), é vista como uma potencial fonte de receitas pelo Executivo. Defendida pela maioria dos líderes partidários e incentivada por grupos internacionais, a proposta tem grandes chances de ser aprovada.
O projeto, relatado pelo senador Irajá (PSD-TO), já foi debatido no Congresso por mais de 30 anos. Em agosto, houve uma sessão temática no Senado para discutir o mérito da proposta. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), pressionou para que a votação acontecesse logo, afirmando que o Senado precisava tomar uma decisão. Pacheco, que deixará o cargo em fevereiro, quer que a aprovação do projeto seja um legado de sua gestão. O PL 2.234/2022 (originalmente PL 442/1991 na Câmara) foi apresentado pelo então deputado Renato Vianna em 1991 e só chegou ao Senado em 2022, onde foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) em junho de 2024 com uma votação apertada de 14 a 12. Agora, o projeto precisa obter 41 dos 81 votos dos senadores para ser aprovado e seguir para a sanção do presidente Lula.
Apesar do apoio de diversos setores, a proposta enfrenta resistência de grupos conservadores, que fazem comparações entre a legalização dos cassinos e a regulamentação das apostas online, que foi sancionada no final de 2023. A regulamentação das apostas online gerou polêmica após o Banco Central (BC) revelar, em setembro de 2024, que beneficiários do Bolsa Família haviam gasto cerca de R$ 3 bilhões nessas plataformas apenas em agosto daquele ano. O impacto das apostas no endividamento, inadimplência e queda no consumo de bens essenciais gerou preocupação no governo, em instituições financeiras e no setor varejista. Como resposta, o Executivo anunciou ações para bloquear o uso do Bolsa Família em apostas e já iniciou o fechamento de cerca de 2 mil sites irregulares. A partir de 2025, empresas do setor de apostas deverão seguir regras nacionais para facilitar a fiscalização. Outras medidas também estão sendo avaliadas para conter os efeitos sociais e econômicos negativos. Além disso, há denúncias de movimentações financeiras ilícitas e fraudes envolvendo operadoras do setor.
O relatório de Irajá propõe a regulamentação da exploração de jogos de azar e apostas esportivas, embora a segunda modalidade já tenha sido liberada durante o governo de Michel Temer (MDB). Para o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), houve um erro ao permitir a legalização das apostas online sem antes regularizar os jogos físicos. Ele acredita que é necessário reavaliar a liberação das apostas, que são alvo de investigações por meio de duas Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) no Senado, mas afirma não haver ligação direta entre as apostas online e a legalização de cassinos e bingos. “A situação das apostas descontroladas exige uma abordagem distinta”, defendeu Pacheco.
O projeto de lei também cria dois novos impostos, cujos recursos serão destinados aos estados, Distrito Federal, municípios, à Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur) e para fundos destinados ao esporte e à cultura. De acordo com o relator, os jogos ilegais no Brasil movimentaram cerca de R$ 31,5 bilhões em 2023.
As novas regras estabelecem normas específicas para cada tipo de jogo. Irajá propôs limitar a quantidade de estabelecimentos comerciais autorizados a operar cassinos, bingos e jogos do bicho, o que, segundo ele, facilitará a fiscalização pelo Ministério da Fazenda e permitirá um maior controle estatal sobre os potenciais impactos negativos dessas atividades.
Conservadores apontam a possibilidade de os efeitos negativos da legalização dos cassinos se assemelharem aos problemas causados pela liberação das apostas online.
Parlamentares contrários ao projeto alertam que sua aprovação pode fomentar o vício em jogos de azar (ludopatia) e facilitar atividades criminosas como lavagem de dinheiro, tráfico de drogas e prostituição, gerando sérios impactos sociais e pressionando ainda mais os sistemas de saúde e segurança pública.
O senador Eduardo Girão (Novo-CE), um dos principais opositores da legalização, lembrou os efeitos devastadores da liberação das apostas online, incluindo endividamento massivo, suicídios, lavagem de dinheiro pelo crime organizado e prejuízos econômicos amplos. “Vimos de perto os riscos da legalização, com consequências trágicas para jogadores e suas famílias”, alertou ele.
Girão também expressou preocupação de que a aprovação do projeto possa prejudicar a imagem do Senado, temendo que interesses econômicos pressionem mais do que os protestos da sociedade. A senadora Damares Alves (Republicanos-DF), que compartilha a oposição, apontou que as duas CPIs no Senado, que investigam os impactos das apostas online, revelam os danos causados por esse setor, como o uso de empresas de apostas para lavagem de dinheiro e os impactos no orçamento das famílias.
“Nós vimos que a aprovação das apostas não trouxe resultados positivos, e agora, com duas CPIs em andamento, é a hora de evitar outro erro com os cassinos. Não podemos continuar ignorando os riscos”, disse Damares.
Carlos Viana (Podemos-MG), líder da bancada evangélica no Senado, também se manifestou contra a proposta, destacando que a legalização de jogos de azar no mundo inteiro tem sido associada ao financiamento de atividades criminosas, como o tráfico de drogas. Líderes religiosos, como o pastor Silas Malafaia, também se opõem ao projeto.
Do outro lado, Ciro Nogueira (PP-PI), um dos principais defensores da legalização dos cassinos, tem pressionado pela aprovação do projeto, apesar da resistência crescente, especialmente por parte de movimentos conservadores e de igrejas evangélicas, que temem que os malefícios superem os benefícios dessa nova indústria de jogos no Brasil.
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