Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) tomou uma decisão significativa que está sendo destacada por seus ministros como um passo importante para enfrentar um dos principais desafios da tão esperada, mas atualmente estagnada, reforma administrativa.
Em julgamento ocorrido no dia 6, com placar de 8 votos a 3, o STF validou novamente uma emenda constitucional de 1998. Essa emenda permite que a União, os estados e os municípios realizem contratações de servidores pelo regime da CLT, semelhante ao modelo utilizado no setor privado.
Desde 2007, essa flexibilidade estava suspensa, forçando os órgãos públicos a empregar apenas pelo regime estatutário, conhecido por garantir maior estabilidade aos servidores e por implicar custos mais elevados para demissões. Com o retorno ao regime celetista, gestores públicos passam a ter mais liberdade para contratar e dispensar funcionários de maneira simplificada, menos onerosa e mais adaptada às suas necessidades operacionais.
Segundo o presidente do STF, Luís Roberto Barroso, a extinção do regime jurídico único está alinhada com as demandas contemporâneas da administração pública. Ele destacou que a medida pode promover eficiência ao reduzir a burocracia excessiva, permitindo contratações mais ajustadas às especificidades das funções públicas. Além disso, a mudança tem o potencial de melhorar a gestão dos gastos com pessoal, ao oferecer maior flexibilidade para atender às necessidades particulares da administração.
No julgamento, os ministros revogaram uma liminar concedida pela ministra Cármen Lúcia em 2007, que havia suspendido a validade da emenda constitucional a pedido do PT. O partido alegava irregularidades no processo de tramitação da proposta de emenda constitucional (PEC), afirmando que o texto aprovado na Câmara não teria sido o mesmo apreciado no Senado.
Gilmar Mendes liderou a divergência, argumentando que o conteúdo foi analisado pelas duas casas legislativas, e que a única alteração foi a posição do dispositivo dentro da PEC. Esse entendimento foi acompanhado por Kassio Nunes Marques, Flávio Dino, Cristiano Zanin, André Mendonça, Alexandre de Moraes, Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso. Já os ministros Cármen Lúcia, Edson Fachin e Luiz Fux votaram contra.
Durante a sessão, Gilmar Mendes explicou que, com a decisão, União, estados e municípios poderão agora legislar para definir quais cargos serão ocupados sob o regime CLT e quais continuarão no regime estatutário, que oferece maior estabilidade.
A proposta é preservar no regime estatutário as carreiras consideradas típicas de Estado, como auditores, juízes, procuradores, defensores públicos, policiais e diplomatas, funções que possuem responsabilidades exclusivas do setor público. Por outro lado, funções de natureza administrativa e burocrática poderiam ser vinculadas ao regime CLT. Ficou estabelecido que a decisão não altera o regime dos servidores que já estão em atividade, garantindo a eles a manutenção das condições vigentes.
A exigência de concurso público continua sendo obrigatória para o ingresso em qualquer cargo do serviço público. No entanto, aqueles contratados pelo regime CLT não terão direito à estabilidade, mas poderão contar com benefícios como FGTS e seguro-desemprego em caso de demissão.
Já é prática comum que funcionários de estatais sejam admitidos fora do Regime Jurídico Único. Empresas como Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Correios e Petrobras, por exemplo, possuem regras específicas de contratação para seus colaboradores.
Entre os anos de 1998 e 2007, período em que a emenda constitucional ainda estava em vigor antes de ser suspensa pelo STF, diversos governadores também optaram por realizar contratações no regime CLT.
A decisão do STF gerou críticas de entidades sindicais. Em entrevista ao site da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Sérgio Antiqueira, secretário nacional de Relações de Trabalho da entidade, apontou que a mudança pode intensificar disputas internas e gerar diferenças de tratamento entre os servidores.
Segundo ele, a falta de isonomia entre servidores que desempenham as mesmas funções, mas estão sob regimes jurídicos distintos, tende a acirrar desigualdades e aumentar o descontentamento no ambiente de trabalho, impactando negativamente a qualidade do serviço público.
Outros críticos expressaram preocupações relacionadas à "precarização" das condições de trabalho e à possibilidade de maior interferência política nas atividades desempenhadas pelos servidores.
Especialistas ouvidos pela reportagem destacam que a possibilidade de contratações pelo regime CLT pode ser mais adequada para determinados setores da administração pública, especialmente por permitir vínculos de trabalho menos prolongados.
Washington Barbosa, mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas e CEO da WB Cursos, argumenta que essa modalidade simplifica a gestão de recursos humanos no setor público. Segundo ele, ao contratar um servidor, estabelece-se uma relação que pode durar, em média, 59 anos, considerando o período de trabalho ativo, os anos de aposentadoria e, posteriormente, o tempo em que os dependentes poderão receber a pensão.
O especialista observa que o regime CLT oferece maior flexibilidade diante de demandas variáveis. "As necessidades de hoje podem ser completamente diferentes daqui a 20 anos. Por exemplo, no momento pode haver uma alta demanda no Ministério da Saúde, mas futuramente essa demanda pode se transferir para o Ministério da Educação. Além disso, é possível que uma política pública precise de execução por apenas cinco anos. Com o regime jurídico único, os vínculos são muito extensos, o que limita as contratações necessárias para atender às demandas imediatas", explica.
Flavio Monteiro, professor de Direito do Trabalho do Ibmec Belo Horizonte, avalia que a contratação pelo regime CLT pode ser mais amplamente adotada em estados e municípios. Segundo ele, no âmbito federal, essas mudanças enfrentam maiores dificuldades devido à presença de categorias de servidores mais organizadas e sindicatos com maior poder de atuação.
“No contexto estadual, a situação varia significativamente. Depende das condições financeiras de cada estado, já que alguns enfrentam níveis elevados de endividamento e podem encontrar nessa alternativa uma forma de atender suas demandas de maneira mais viável”, explica o professor.
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