Na semana passada, uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) abriu a possibilidade de que condenados por improbidade administrativa com processos já transitados em julgado – ou seja, sem chance de novos recursos para reverter a sentença – possam ser liberados das punições, incluindo multas e ressarcimento aos cofres públicos.
Com uma votação de 7 a 4, a maioria dos ministros considerou inconstitucional a modalidade culposa de ato de improbidade administrativa. Isso significa que, se o mau uso dos recursos públicos foi cometido sem intenção de prejudicar o erário, o responsável não poderia ter sido condenado. Segundo os ministros, para haver condenação por improbidade é necessário dolo, ou seja, a “vontade livre e consciente de obter um resultado ilícito”.
O Ministério Público de São Paulo destacou que essa nova interpretação pode levar à revisão de “milhares” de condenações por improbidade culposa proferidas ao longo de quase três décadas. Em 2021, o Congresso revisou a Lei de Improbidade Administrativa, eliminando a modalidade culposa. Antes dessa mudança, a lei original de 1992 permitia a condenação por atos culposos, caracterizados por imperícia, imprudência ou negligência, mesmo sem intenção de causar dano.
Em 2022, o STF validou o fim da improbidade culposa, mas determinou que as condenações transitadas em julgado deveriam ser mantidas. Apenas os processos ainda em andamento poderiam resultar em absolvições. Agora, com base no voto do ministro Dias Toffoli, a maioria decidiu que “o dolo é necessário para caracterizar qualquer ato de improbidade administrativa, tornando inconstitucional a modalidade culposa prevista nos arts. 5º e 10 da Lei nº 8.429/92, em sua redação original”.
A expressão “em sua redação originária” indica que o STF considera inconstitucionais partes da lei que, antes de 2021, permitiam condenações por erros graves na gestão pública sem a intenção de lesar o patrimônio.
Com essa nova decisão, abre-se a possibilidade de que aqueles condenados por improbidade culposa possam solicitar a revisão de suas sentenças e evitar punições, como multas e ressarcimentos, por meio de ações rescisórias. O Código de Processo Civil estabelece que “é inexigível a obrigação reconhecida em título executivo judicial fundado em lei ou ato normativo considerado inconstitucional pelo STF”, o que implica na não exigência das punições determinadas nessas sentenças.
Os ministros que acompanharam o voto de Toffoli foram Flávio Dino, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin, Nunes Marques, Luiz Fux e Gilmar Mendes. Os votos divergentes foram de Luis Roberto Barroso, Edson Fachin, e outros que não foram listados.
O ministro Barroso defendeu que as condenações já consolidadas deveriam ser mantidas.
Em seu voto divergente, o ministro Barroso destacou que as condenações definitivas deveriam ser preservadas, em sua opinião. Ele recordou que, em 2022, ao validar a lei que eliminou a modalidade culposa, afirmou que essa possibilidade estava de acordo com a Constituição.
“Com a redação atual da Lei nº 8.429/1992, modificada pela Lei nº 14.230/2021, é necessária a comprovação de dolo para caracterizar qualquer ato de improbidade administrativa. O Supremo Tribunal Federal confirmou essa tese ao validar a alteração legislativa que extinguiu a modalidade culposa e determinou sua aplicação aos atos praticados sob a vigência da lei anterior e aos processos em andamento sem decisão transitada em julgado”, registrou.
“Isso, contudo, não implica que o dolo seja indispensável para caracterizar ato de improbidade administrativa em todas as situações. Esta Corte manteve válidas as condenações definitivas por atos culposos anteriores à Lei nº 14.230/2021. Além disso, a modalidade culposa pode ser reintroduzida, já que sua inexistência atual resulta de uma escolha legislativa legítima e não de imposição do art. 37, § 4º, da Constituição”, continuou.
O ministro André Mendonça votou de forma semelhante, afirmando: “Considerando o período em que prevaleceu a interpretação da modalidade culposa para imputações de improbidade, adoto a alternativa sugerida pelo eminente ministro Luís Roberto Barroso”.
O ministro Fachin também concordou que as condenações definitivas deveriam ser mantidas, mas explicou que, nos casos em andamento, os réus poderiam ser absolvidos, já que, com a atual legislação, não seria mais possível uma condenação com base na modalidade culposa.
A ministra Cármen Lúcia também apoiou a posição de Barroso, mas todos esses votos divergentes foram vencidos.
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